quinta-feira, 30 de agosto de 2007

No bairro não há praia, tampouco faz parte da zona nobre do Rio. A vizinhança não é das melhores e a violência cresce a cada dia. E daí? O tijucano veste com orgulho a camisa de seu bairro e, assim como um torcedor fanático por seu clube, não precisa de justificativas racionais como suporte – ainda que as possua. É o único local do Rio em que moradores têm denominação própria – há tijucanos, mas não copacabanenses nem jacarepaguenses.

Antigamente era visto como subúrbio pela galera da Zona Sul; foi, porém, “depois do túnel” que ícones da música brasileira nasceram, se encontraram e trocaram idéias essenciais para a difusão da música popular do país. No final dos anos 50, Roberto e Erasmo Carlos conheceram Tim Maia e, a partir de então, seguiram rumo ao sucesso. Onde você pensa que se firmaram tanto a bossa nova quanto a jovem guarda? Em garagens e apartamentos tijucanos, de onde rapazes e moças inovadores saíram para conquistar o outro lado do túnel.

Sempre adiante de seu tempo, a Tijuca foi o berço da alma carioca. A “alma tijucana” não se restringe a seu espaço físico; paira por cada canto da cidade, envolve e encanta quem estiver por perto. Um exemplo prático foi a formação da Grande Tijuca, da qual Alto da Boa Vista, Vila Isabel, Maracanã, entre outros, fazem parte.
Quem conhece sabe: é um bairro diferenciado. Aristocrático e popular, conservador e progressista. Até mesmo suas favelas esbanjam esse espírito; mantém a classe sem esquecer a ginga do samba. Não é à toa que lá nasceram escolas tradicionais do carnaval carioca, como Salgueiro, Unidos da Tijuca e Império da Tijuca – juntas, somam nove títulos no Grupo Especial (sendo oito do Salgueiro e um da Unidos da Tijuca).

A maior floresta urbana do Rio de Janeiro e segunda maior do mundo - com 7.000 hectares - , também é da Tijuca. Foi a primeira a ser replantada cumprindo as exigências da ecologia – uma vez devastada em mais de 70% e reconstruída pela família Real. Atualmente, porém, seu coração bate cada vez mais lento. Segundo o cartógrafo Jesus Fernando Mansilla, no cenário mais pessimista, a área urbana da floresta crescerá 61,31% até 2092, enquanto a área verde se reduzirá a apenas 6,85%.

Outra imensa área verde e palco de grandes batalhas também fica no bairro. O Maracanã – ex-maior estádio do Mundo – atrai, regularmente, milhares de torcedores fanáticos às redondezas.

Se você nunca foi à Tijuca, tire um dia do seu fim de semana para visitá-la. Suba para apreciar uma das vistas mais belas da cidade, no Alto da Boa Vista, depois desça pela Haddock Lobo, rua tradicional do Bairro. Tome um cafezinho no Café Palheta, ponto de encontro da galera dos anos 70, na Praça Saens Pena. Os antigos clientes que levem um lenço, a saudade vai bater. Aos domingos, praças como a Xavier de Brito ficam cheias de crianças, brincando nos “pula-pulas da vida”. Nostalgia. A verdade, nua e crua, é que um dos bairros mais tradicionais do Rio passa por uma morte lenta e dolorosa.

Essa tortura começou há 30 anos, com a especulação imobiliária: casas deram lugar a prédios, o bairro cresceu para cima. Favelas surgiram e outras cresceram, junto a violência. A qualidade de vida piorou. Atualmente, o que vem causando maior temor nos moradores são os arrastões a fim de roubar carros, cada vez mais freqüentes. A região mais atingida é o Alto Uruguai, onde os morros do Andaraí e da Cruz facilitam a fuga dos ladrões. Segundo a Secretaria de Serviço Público, entre janeiro de 2005 e abril deste ano, o número de carros roubados alcançou a média de quase dois por dia, enquanto duas pessoas foram assaltadas a cada 24 horas, no mesmo período.

A poluição sonora também não dá trégua aos tijucanos. Morteiros e fogos durante a madrugada incomodam o sono dos justos. Sem falar nos tiros, ora entre quadrilhas rivais do tráfico, ora contra a polícia.

Essa violência vem gerando conseqüências desagradáveis. De 1991 a 2000, o êxodo de moradores chegou a ultrapassar 10 mil, segundo pesquisa realizada pelo Jornal do Brasil. De acordo com o IBGE, o bairro ganhou apenas 1.360 domicílios neste mesmo período, sendo que 15% das novas moradias foram erguidas em algumas das 11 favelas da região.

Pedro Farina

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